sábado, 30 de maio de 2015 37 comentários

Poema aos Pretos Velhos da TUPOM - Por Carlos de Ogum

   



Dia lindo e maravilhoso,
no reino de meu Pai Oxalá,
nos abençoe divinos Pretos Velhos,
Pretos Velhos do meu Gongá.

Caridosos e com amor no coração,
esses velhinhos sempre nos ensina a viver,
com um sorriso humilde e sua benção,
junto a nós ficam,  basta apenas neles crer.

Um a um, vamos aprendendo a amar,
sem distinção de qual trabalho for,
pedindo paze saúde para caminhar,
distribuindo suas bençãos, todos vem nos dando amor.



Vovó Cambinda nossa amada eterna,
sempre dizendo como caminhar,
na coroa vinha por parte materna,
hoje  ainda faz no Terreiro nos abençoar.



Vovó Joaquina centenária de caridade,
com seu sorriso meigo e encantador,
benzedura forte contra ódio ou falsidade,
vovozinha linda de coração repleto de amor.



Pai Cipriano Mestre das magias e encantos,
que entregava sua vida pela vida de um irmão,
por muitas e muitas vezes secava as dores dos prantos,
apenas com lindas palavras que vinha do coração.



Vovô Chico respeitado na Umbanda,
sempre teve a magia e o poder,
com humildade ele pede e não manda,
que seus filhos rezem para a fé estabelecer.



Pai José grandioso benzedor,
firmeza extrema de nosso Gongá,
olha seus filhos cuidando como uma flor,
pedindo sempre paz a nosso Pai Oxalá.



Vovô Joaquim sagrado rezador,
o mais ancião de todos anciões,
não se cansa em espalhar o seu amor,
iluminando dia a dia todos os corações.



Vovó Anita a Preta Velha doceira,
que com sabedoria as doenças curava,
seja com ervas, raizes ou fruto da goiabeira,
essa vovó todos os males acalmava.



Pai Isidoro negro forte e boiadeiro,
trabalhando sempre com o Guardião Exú.
rezava desde mal olhado a cobreiro,
desobsessão, descarregos, Kiumbas entregando tudo ao mestre Omulú.



Vovó Maria Conga de reza forte e encaminhamento,
que eleva a força espiritual dos filhos de luz,
não deixando para trás nenhum mal ou sofrimento,
entregando seus filhos no colo de Jesus.



Pai Antero, boiadeiro de força grandiosa,
todo dia me estende a mão,
suas rezas e benzeduras tão poderosas,
me eleva, purifica, me tirando da escuridão.



Vovô Benedito velhinho falador e sorridente,
com sua alegria nos encanta com amor,
conta "causos" e mais "causos" com seu jeitinho diferente,
falando de aventuras com seu modo sonhador.



Vovô Rei Congo meu amado Mentor,
que me acompanha e me cuida com grande dedicação,
não sei como agradecer tamanho amor,
com esse carinho imenso de coração.

Esses são nossos amados velhinhos de fé,
e a eles entregamos nosso caminhar,
temos muito carinho representados com axé,
Pretos Velhos divinos que nos ensinam a amar.

A todos pedimos a benção com carinho,
e com carinho dizem: "Que Zambi abençoe a vosmicê.
É muito bom viver como pássaros nesse ninho divino,
nesse ninho abençoado de nome Terreiro Pai Ogum Megê.


Carlos de Ogum

quarta-feira, 20 de maio de 2015 68 comentários

Entendendo Sobre Amarrações Amorosas

               


    Vou começar esse texto falando do quanto me sinto incomodado e
perplexo com a quantidade absurda de e-mail's que recebo todos os dias
com o assunto: "Amarração Amorosa".

    Aliás, fico mais perplexo ainda com a quantidade de anúncios de
pessoas, se dizendo Umbandistas, que oferecem o tal trabalho de
amarração.

    Mas o que seria a tal amarração amorosa?

Quais os benefícios que ela pode trazer a quem pede uma?

A amarração funciona?

    Para essas e outras dúvidas é que resolvi escrever esse texto.

    A amarração amorosa é algo que algumas pessoas dizem fazer para
outras ficarem "apaixonadas", ficarem "debaixo de seus pés".

    É dito que se prende o espírito da pessoa desejada ao espírito da
pessoa que deseja, para que assim possam ter um relacionamento amoroso
eterno, feliz e cheio de cumplicidade.

    Mas para quem busca uma amarração dessa forma, sinto muito
dizer-lhes que isso não existe dentro da Umbanda. Só frisando que
estamos falando de Umbanda, a Umbanda que é religião, a Umbanda que
busca fazer a caridade, a Umbanda de Zambi, Oxalá, dos Orixás e
Entidades de Luz.

    A Umbanda prega e respeita o livre arbítrio das pessoas. Não
cobra, não força, não induz ninguém a fazer ou caminhar por caminhos
indesejáveis ou que vão contra a vontade de quem quer que seja.

    Se a dita amarração é uma indução forçosa a alguém entregar sua
alma e seu coração a outra, que por início não era de sua livre e
espontânea vontade, então não faz parte da religião de Umbanda.

    Sabendo-se que a Umbanda é uma Religião de Luz, de amor e
caridade, inteiramente ligada a Deus, nosso Pai Maior, quer dizer que
a amarração não faz ´parte dos preceitos de Deus, não fazendo parte
dos preceitos de Deus, quer dizer que é o contrário do que chamamos de
"fazer o bem", portanto se é assim, a amarração amorosa, se caso
existir alguma, é algo que estará fazendo o mal a pessoa na qual foi
pedida para amarrar, se está fazendo o mal, como podemos chamar o
sentimento da pessoa que pediu de "amor"?

    Isso não é amor, não é carinho, não é paixão. É simplesmente um
desejo de ter algo que não conquistou, um egoísmo sem limites, uma
prepotência desumana e uma falta de amor próprio de grandes
proporções.

    Muitas vezes vemos uma pregação errônea de pessoas se dizendo
serem ligadas a Umbanda, tentando induzir ou demonstrar que a
amarração seja um sinônimo da religião. Essas pessoas colocam nomes
de Entidades divinas de Luz em seus preceitos falsos e manipuladores
para dar mais ênfase a suas mentirosas "magias de amarrações amorosas".

    É muito constante vermos os nomes de Entidades como Senhor Tranca
Ruas ou a Pombo Gira Maria Padilha nessas colocações. Vemos falsas
orações, vemos pedidos de trabalhos, entregas disso e daquilo, numa
proporção grandiosa, sem limites, sem noção, sem nexo, e claro, sem a
menor eficácia.

    Friso que de forma nenhuma uma Entidade de Luz, seja ela um Preto
Velho, um Caboclo, um Boiadeiro, um Erê, um Malandro, um Cigano, e
muito menos um Exú e uma Pombo Gira iriam entregar a sua evolução, o
seu trabalho de caridade, o seu precioso tempo quebrando a regra da
Umbanda, que é a de respeitar uma das coisas mais sagradas da
Religião, que é o livre arbítrio das pessoas.

    Portanto quando se é usado os nomes dessas Entidades nesses
rituais sem cabimento e falsos, isso vem do ser humano, tanto vem do
consulente, que está em desespero por ter  "perdido" uma pessoa que a
sua prepotência insiste a dizer que é seu, ou vem de falsos espíritas
e falsos Umbandistas que se utilizam desses artefatos e desses
desesperos de ego dos consulentes para que assim os façam pagar
grandes quantias em dinheiro, mesmo sabendo que de nada vai adiantar
tal ação.

    A palavra é "Amor Próprio", vamos ser coerentes, se uma pessoa
decidiu que ficar a seu lado como um companheiro não lhe traz
felicidade, segurança, um caminho de luz, paz e amor, então porque
tentar forçar?

    Realmente é uma falta de amor próprio sem compreensão. Pois essas
ditas amarrações nada vão adiantar no que podemos entender de
relacionamentos, quanto mais se tenta fazer uma amarração, mais
distante a pessoa em questão vai ficar de quem buscou esses
artifícios.

    Toda essa propaganda que infelizmente vemos em todos os cantos,
com promessas de trazer seu amor em 7 ou 3 dias, de fazer seu amor
voltar, de fazer sua paixão ficar a seus pés, entre todas as falácias
que são ditas para enganar os consulentes, não existem dentro da
Umbanda.

    Exús e Pombo Giras não são adeptos a esses tipos de rituais sem
nexo. Os nomes dessas Entidades de Luz são usados sem o menor respeito
para induzir aos consulentes com falta de amor próprio a entrar num
caminho sem volta, com altos gastos em dinheiro e sem resultado algum,
aliás apenas com resultados para os que prometeram fazer a tal
amarração, o resultado de aumentarem seus ganhos econômicos com a
inocência de consulentes de baixa alta estima.

    É muito comum do consulente que vai pedir uma suposta amarração,
ao ser induzido, enganado e cobrado por isso, voltar a pessoa que
prometeu que a tal amarração funcionaria para dizer que fez tudo
certo, que entregou tudo que foi pedido, que pagou a quantia que foi
cobrada, dizendo que a tal amarração ainda não teria funcionado. E ai
estaria a deixa do falso "mago das amarrações" a fazer com que o
consulente acreditasse que ele seria impaciente demais e não estaria
dando tempo para que a suposta "magia" funcionasse, ou que o caso
seria mais grave que previsto e teria que reforçar a amarração. E
assim os falsos "magos das amarrações" fazem novas listas de pedidos,
novos trabalhos, novas entregas, usando desrespeitosamente nomes de
novas Entidades de Luz, e claro, novas cobranças em dinheiro, para
assim o seu dito amado volte ao convivio de um relacionamento falso e
cheio de desamor, não respeitando o livre arbítrio de cada um de nós.

    E tudo isso vira uma grande "bola de neve". Seu amor não voltará,
cada dia vai se distanciar mais, sua alta estima vai se afundando mais
e mais, seu amor próprio vai para o fundo de um poço infinito, sua
vida ficará cheia de espíritos sem luz, obsessores de todas as formas
e graus, pois você, com essas falsas entregas, estará trazendo para
junto de si essas cargas espirituais obscuras, alimentando Eguns,
Kiumbas e Espíritos Zombeteiros.

A Umbanda Não Amarra Ninguém. E Quem Faz Isso Usando O Nome Da
#Umbanda Vai Pagar Da Mesma Forma Que A Pessoa Que Pediu A Amarração.

    Para finalizar gostaria de frisar só um detalhe que leio muito nos
e-mail's que recebo todos os dias com assunto "amarração".

    Em muitos deles, sejam esses e-mail's vindos de homens, mulheres
ou qual for a opção sexual do consulente, vem frisado a seguinte
questão:

"Meu ou minha parceiro(a) me abandonou, ou saiu de casa, porque o(a)
amante dele(a) fez "macumba" ou "amarração" para que isso
acontecesse."

    Não. Não foi por esse motivo que seu(sua) parceiro(a) abandonou
esse relacionamento.

    Busque dentro de sua consciência, deixe o ego de lado, reflita
nessa colocação com o mínimo de coerência.

    Ou o relacionamento já andava desgastado, ou o parceiro se
encontrou em um novo tipo de relacionamento, ou a vida social,
económica ou a dois estavam com atribulações, e o casal não parou para
expor os problemas, deixando assim a vida andar até o ponto que não
tinha mais volta, ou simplesmente o amor acabou, ou a paixão cessou.

    São vários motivos para que um relacionamento se finde, são muitos
altos e baixos, são muitos caminhos, que muitas vezes não são só de
flores.

    E quando chega o limite, e infelizmente o relacionamento termina,
mesmo que para uma das partes seja extremamente difícil entender, é
muito mais simples dizer para as outras pessoas e para si mesmo que
tudo aconteceu por "magia", "amarração", ou "macumba". Não querendo
demonstrar a real causa de um problema, que as vezes vem se arrastando
por anos.

    E acreditando que pode ser uma suposta amarração vinda de um(a)
rival, vira presa fácil de falsos "amarradores de amor", fazendo assim
a tal "bola de neve" nascer e crescer.

    Portanto, dentro da Umbanda, com seus Orixás, suas Entidades de Luz e nosso Pai Maior que é Zambi (Deus), não existe essa falta de amor próprio, não existe essa prepotência de ego, não existe
amarração.


Umbanda Não Faz Amarração. Não Se Pode Tirar Um Dos Maiores Presentes Dados Por Deus. Livre Arbítrio!

Fio, Se Amarração Fosse Coisa Boa, Não Teria Motivo Pro Amor Existir.
Quem Ama Respeita A Vontade Do Outro. Conselhos Da Vovó Cambinda.



Carlos de Ogum

domingo, 10 de maio de 2015 66 comentários

A História de Vovô Chico

                     


"Preto Velho aqui chegou,
ele veio pra saravá,
Preto Velho é meu Vô Chico,
Vovô Chico do meu Gongá.

Saravando e dançando,
com sua bengala na mão.
Velho Chico saravando,
dano aos filhos sua benção."


    Vovô Chico é um velhinho simpático, com um sorriso largo de
criança. Ele trabalha para a caridade nos Terreiros de Umbanda com
muito carinho dispensado a seus consulentes e aos Médiuns
trabalhadores, principalmente ao Médium que traz ele na coroa.

    Ele tem como ponto forte escutar os problemas de seus consulentes
com uma grandiosa paciência, podendo o consulente falar, desabafar,
reclamar, chorar por horas, sem que ele corte a sua fala, apenas
ouvindo, pitando seu cachimbo de fumo seco e folhas de alecrim. E volte
e meia dando uma baforada com sua "fumacinha mágica" sobre o Ori de
seu consulente, para lhe acalmar, tranquilizar ou apenas fazer uma
limpeza de aura ou espírito.

    E após os desabafos dos consulentes, ele como um psicólogo divino
e com seu ar paternal, segura nas mãos da pessoa, como que a
abençoasse, e fala seus conselhos, suas receitinhas de livramento, sua
visão sobre os caminhos a serem tomados.

    Vô Chico era escravo em uma fazenda produtora de cana de açúcar,
muito provável na região Nordeste do Brasil, e pelos dizeres do
próprio, seria lá por volta do século XVII.


    Filho de negros escravizados também, Chico sempre teve os
ensinamentos das magias e benzeduras de seus antepassados, que
aprendeu com extrema dedicação desde menino.

    Uma dessas benzeduras e magias que ele aprendeu, foi o trabalho de
cura através da junção da terra, água e ervas, que era feito pelo seu
tataravô em alguma região perdida no continente Africano.

    Dessa junção entre elementos eram feitos esfregaços, compressas,
banhos e até chás, por intermédio dos Orixás Omulú/Obaluaiê e Nanã
Buruquê, que são muito respeitados na região africana, se fazia curar
moléstias graves, envenenamentos por picada de serpentes, feridas
diversas, além de retirar espíritos obsessores que invadiam o corpo e
a mente de pessoas.

    Esses ensinamentos foram passados para o seu trisavô, e depois a
seu bisavô, que foi passado a seu avô, que veio como escravo para o
Brasil e logo foi passado a seu pai, também escravo, e por fim a ele.

    Chico cresceu numa fazenda, na qual o senhor de escravos era um
ser totalmente avesso aos negros, para ele o negro realmente não era
visto como ser humano, não era um ser de Deus, não era para ser
respeitado.

    Esse coronel de crueldade nos atos, ficou conhecido como o
"eliminador de escravos fujões", pois ele tinha o prazer de
colocar no tronco, açoitar e assassinar negros que teimavam em fugir,
dizendo ele ser um exemplo ruim aos seus negros que trabalhavam até
16 horas por dia, sem uma alimentação adequada, sem um lugar para
descansar, sem cuidados com a saúde, além de serem maltratados  e
açoitados de uma forma tão covarde, que nem os mais fortes dos
animais aguentariam tais ações contra eles.

    O coronel com seu olhar demoníaco sabia dos dons de Vô Chico, e
isso lhe incomodava demais, pois era ele, o Velho Chico, quem ia em
busca de curar as feridas abertas nos corpos dos negros, feridas essas
feitas pelas chibatas do coronel e de seus feitores tão cruéis como
era cruel o próprio coronel.

    Por dezenas de vezes o coronel idealizou levar Chico ao açoite até
a morte, mas após algumas horas de castigo com o negro acorrentado ao
tronco, ele o retirava, pois o coronel, por mais prazer que tinha em
agredir e torturar os negros, sabia que a cada negro perdido era um
grande prejuízo nos trabalhos braçais árduos, e sabia também que o
negro Chico era o melhor "curandeiro" da região, e seria uma perda se
não o tivesse para sanar as doenças que espalhavam facilmente por
entre os negros, e até entre os brancos.

    Mas o coronel não era de perdoar um negro fujão, e se o tal
tentasse escapar de sua fazenda ele iria atrás e voltaria com ele
acorrentado sendo arrastado pelas estradas empoeiradas, até a volta de
suas terras.

    Esses escravos não tinham chances, eram arrastados, torturados,
açoitados e mortos, sem a menor piedade.

    Em alguns casos, esses negros fujões eram jogados em frente as
senzalas, para ficar como exemplo a outros negros que por ventura
pensassem em fugir. Esses negros ficavam ali jogados por dias, até que
os próprios negros providenciavam o enterro, ou o jogar do corpo em um
rio de águas profundas da região.

    Ao se dar conta que alguns desses negros ficavam jogados ao chão,
inertes, mas ainda com vida, Vô Chico os traziam para dentro da
senzala, e ali fazia suas benzeduras e curas com a junção dos
elementos água e terra mais ervas que ele colhia conforme caso a
caso. Após a recuperação do negro, que o velho Chico mantinha sempre
escondido com ajuda de seus irmãos de senzala, ele com uma sagacidade
incrível, iludia os feitores em prosas longas para que o negro, que
fora salvo por ele, conseguisse sair em meio a escuridão, se
embreando pelas matas para buscar sua liberdade.

    Um desses negros que fora salvo pelo amável Chico, ao fugir se
perde entre o breu da noite, e com receio para entre as árvores da
mata fechada, adormece pelo exaustivo cansaço. Quando é despertado se
depara com um grande mulato montado em seu cavalo, lhe apontando uma
arma de fogo. Esse mulato era conhecido na região como "Capitão do
Mato", um jagunço que percorria a região em busca de capturar negros
fujões de todas as fazendas, e trocando-os por algum dinheiro.

    Ao torturar o negro fujão, o Capitão do Mato descobre de onde ele
vem, e claro para onde deveria levá-lo.

    Ao entregar o negro ao coronel fazendeiro, receber sua recompensa
e partir, o mulato Capitão do Mato deixa o coronel um tanto atônito,
pois ele acreditava que aquele negro estaria já sem vida.

    Reconhecendo que o negro fora curado pelo velho Chico, e que não
adiantaria chamar sua atenção ou mesmo levá-lo ao tronco por causa
desse fato, pois ele continuaria fazendo suas curas mesmo as
escondidas, e contudo ajudando os negros a fugir da fazenda, o coronel
também não podendo ceifar a vida do "curandeiro", pois ele ainda
precisaria de suas benzeduras para uma providencial cura aos negros
que não se arriscavam em uma fuga, decidiu então criar um novo modo de
tortura, após a já conhecida tortura feita ao tronco.

    O coronel manda fazer um grande poço cavado na terra, de um
formato cilíndrico, profundo, que não daria chances de fuga de
nenhum negro que ora fosse jogado nesse poço. E ainda para que essa
tortura fosse muito mais covarde e maligna, o cruel coronel manda
encher as profundezas desse fundo poço com dezenas e dezenas de
serpentes venenosas, para que assim, aquele que fosse atirado ao covil
não teria a mínima chance de sair com vida.

    Os negros fujões, além de estarem em constante guerra com
feitores, jagunços e capitães do mato, e claro com os coronéis
fazendeiros, estimulavam a coragem de outros negros a fazerem o mesmo,
por esse motivo, esses negros que tentavam constantemente uma fuga
eram visto como problemas para o andamento das fazendas, portanto era
sempre melhor eliminá-los.

    Quando se espalhou pelas redondezas o modo feito que o coronel da
grandiosa fazenda de cana de açúcar, tinha para eliminar esses negros,
muitos coronéis enviavam negros fujões, normalmente capturados pelos
capitães do mato, ao que ficou conhecido como "Covil de Serpentes",
para serem eliminados, assim sendo não sujariam suas mãos nem de seus
feitores com o sangue dos negros.

    E assim o "covil das serpentes" começou a ser utilizado, não só
pelo coronel idealizador, mas por uma grande maioria dos coronéis da
região, para ceifar com a vida daqueles negros desejosos de liberdade
e que esses coronéis achavam uma ofensa e uma falta de respeito
grandiosa.

    Conforme foram acontecendo as primeiras mortes, o nosso velho
Chico fica desesperado por não poder conceder a ajuda habitual aos
negros. Tenta argumentar ao coronel, que infelizmente não lhe escuta.

    Por algumas vezes, Chico tenta salvar os negros que eram jogados
no "covil das serpentes", em alguns poucos casos ele ainda teve êxito
em seus feitos. Retirava de uma forma sofredora o negro quase morto de
dentro do covil, e embrenhava com ele pelas matas em torno da fazenda,
fazia então suas compressas e banhos, muitas benzeduras e súplicas a
Pai Obaluaiê, Omulú e Nanã Buruquê, para que com seu dom e sabedoria
pudesse fazer da água, terra e ervas o remédio para sanar o
envenenamento das serpentes, além da cura de chagas e quebraduras por
todo o corpo dos negros.

    Mas era um trabalho árduo, pois além da dificuldade de retirar os
negros do covil, de fugir com esse negro sem que feitores percebessem,
de conseguir a erva certa para cada caso, do tempo hábil para tudo
isso sem que os negros perdessem totalmente as forças e se entregassem
aos braços da morte, Chico ainda tinha que tentar enganar o coronel
com os corpos inertes de outros negros, já desencarnados, colocando-os
no lugar daquele que ainda teria uma pequena esperança de sobreviver.

    Ele tentava incansavelmente, mas o resultado final não estava o
agradando, perdia muitas vidas de seus irmãos, que por mais esforço que
fizesse não tinha como salvá-los.

    Noites e noites a fio o velho Chico ficava em oração clamando pela
vida de seus irmãos. Chorava a cada vez que um deles eram torturados,
açoitados, atirados ao "covil das serpentes", e mortos sem a menor
chance de serem salvos.

    Por entre o clarão da Lua brilhante, que se resplandecia nas águas
límpidas do rio que corria seu rumo vindo de uma linda cachoeira,
Chico procurava um modo de poder ajudar os negros que capturados
tinham suas sentenças de morte autorizada pelos seus coronéis.

    Sentado a margem do rio, por entre o balanço das águas e o brilho
da Lua, ele pega um punhado de terra, a que ele chamava a "terra
sagrada de Senhor Omulú", atira esse punhado de terra nas águas do
rio, e clama a Zambi que o ajudasse.

    Ao ser despejado esse punhado de terra nas águas e sobre a luz
brilhante da Lua, Chico tem uma visão, uma visão formada nas águas
vindas da belíssima cachoeira.

    Nessa visão ele vê uma pomba branca, serpentes, pessoas em
desespero, chorando, se lamentando, e clamando.

    A pomba ia se transformando em uma menina branca, que machucada,
suja e com muitas feridas pelo corpo, chorando, lhe estendia as mãos,
implorando por ajuda.

    Vovô Chico, com sua experiência de muitos e muitos anos dentro da
espiritualidade, percebeu que aquela visão era uma resposta a suas
orações, e após refletir por algum tempo voltou a fintar as águas que
corriam sem destino, dentro dele uma luz de esperança se acendeu,
sabia que tinha sido ouvido por Zambi, Oxalá e todos os Orixás que ele
respeitava extremamente. Mas dentro dele ainda tinha algumas dúvidas.

    Como poderia fazer para ajudar seus irmãos?

    O que aquela visão queria lhe mostrar?

    Como agir e em que tempo agir?

    E no meio dessas dúvidas, ele fatigado adormece ali mesmo as
margens do rio, e sobre a terra divina de seu Pai Omulú.

 Ao adormecer, um sonho invade seu ser, e nesse sonho ele ouve uma voz
vinda juntamente com o som dos ventos, que zuniam como o som de uma
música distante.

    Nessa voz ele apenas guardou as frases:

"Nunca desista de salvar um irmão."

"Jamais deixe uma vida ser perdida, seja essa vida de um ser negro ou
branco."

E "Todas as vidas estão ligadas. O salvar a vida de um filho branco
fará retirar dezenas de vidas de irmãos negros da sentença de morte
por covardia. Nunca julgue um inocente pelo verdadeiro culpado. Suas
respostas podem estar nesse ato de amor e caridade."

    O velho Chico desperta sobressaltado, sua respiração ofegante vai
se acalmando com a lembrança das frases ouvidas em seu sonho. Num
ímpeto ele se levanta e sai rapidamente em direção ao "covil das
serpentes", como se estivesse prevendo algo de ruim que poderia
acontecer.

    Quando estava uns 50 metros do covil, observa a sinhá, esposa do
coronel, um pouco mais distante, colhendo flores com sua Mucama, e ao
lado delas a pequena sinhazinha filha do senhor dos escravos, uma
linda e doce menina de 3 anos de idade.

    A menina ao acompanhar o voo de uma borboleta, sai em disparada,
sem dar chances a sinhá ou a mucama impedirem ela de se afastar indo
de encontro ao covil.

    Em segundos, entre gritos de desespero da sinhá e da Mucama, a
criança desaparece para as profundezas do poço assassino.

    Num ato impensado a mãe da sinhazinha corre e tenta se atirar ao
poço para salvar sua pequena menina, que é contida pela Mucama, que se
agarra a seu corpo num ato de bravura.

    O velho Chico ao ver a cena, corre até a borda do poço, observa
dentro sem ver nada, pois a escuridão da profundidade não permitia. E
nesse momento ele decide que arriscaria a própria vida, da mesma
maneira que arriscara tantas outras vezes ao retirar os negros do
mesmo covil.

    Chamando outros negros, e com ajuda de cipós, ele desce até o
fundo do covil, clamando sempre pela proteção dos Orixás, para que seu
corpo seja abençoado e imantado e não seja entregue as fatais picadas
venenosas das serpentes assassinas.

    Ele chega ao fundo, observa o corpo inerte da criança rodeado
pelas serpentes venenosas. Vai até ela e a pega nos braços, e como de
costume as serpentes se armam em bote de ataque, mas como uma força
suprema elas não fazem nada. E assim o Velho Chico agradecia aos
Orixás que tomavam conta de seu corpo.

    Ele é inçado com a ajuda dos negros que sempre se esforçavam para
salvar vidas junto de Vovô Chico. E ao chegar a borda do covil, se
depara com o coronel ajoelhado ao chão, com olhos lacrimejados, em
desespero pela vida de sua única filha.

    A sinhazinha estava desacordada, muito ferida e envenenada pelas
picadas das serpentes.

    Chico corre com ela aos braços levando-a para a senzala, que
ficara bem mais próximo que a "casa grande", e não tendo tempo a
perder, ali ela seria tratada.

    Foram feitas dezenas de benzeduras, mais de uma centena de banhos,
compressas, imantações, noites e noites sem dormir, acalentando o
estado febril da menina.

    A Sinhá, mãe da menina, lutava incansavelmente contra a decisão do
coronel de remover a menina dali, para ser levada ao encontro de um
doutor médico no arraial. Ela sentia em seu coração de mãe que, se
Deus permitisse a sua filha ter mais uma chance de sobreviver, essa
chance teria que ser abraçada, com ela dentro da senzala, com o
tratamento, que todos sabiam da eficácia, do nosso querido e
experiente Vovô Chico.

    Foram 21 dias de choros, desesperos, rezas, esperanças e de
dedicação da sinhá e do velho negro Chico.

    Ao completar 21 dias sem abrir os olhos, a menina desperta olhando
para a sua mãe e Vô Chico, e após alguns segundos para reconhecimento
de local e pessoas, ela num salto se levanta e abraça a mãe com um
sorriso largo, carinhoso, infantil e saudável

    A fazenda toda festejou. Negros e brancos, cada um de sua maneira
e sua fé, agradeciam a Deus pela recuperação milagrosa da menina.

    O coronel chorava copiosamente abraçando sua pequena menina, a
sinhá beija as mãos sagradas do velho negro que salvara a sua joia
preciosa. Tudo era alegria naquele momento de milagre.

    O coronel, em tom de voz sereno, baixo, amigável, vai até Chico e
sem que o negro esperasse, o abraça, agradecendo e exaltando o
respeito que ele, o coronel, passou a ter pelas crenças, benzeduras e
os Orixás do povo negro, inclusive um respeito muito mais intenso por
Chico, seu "Negro Curandeiro".

    O coronel ofereceu a Chico algumas terras, uma choupana, uma vida
melhor como forma de agradecimento por ter salvo a vida de sua filha.
Mas Chico, humildemente, com sua voz serena, seu rosto fatigado,
disse ao coronel:

    "Agradeço tudo que me ofereceu coronel, mas perdoe o meu ato de
abuso por minha parte. Eu desejaria apenas uma coisa."

    E sem deixar o coronel perguntar o que seria, ele continuou:

    "Peço encarecidamente em nome de Deus e de nossos amados Orixás,
em nome de todos os negros escravizados dessa terra e em nome de todas
as crianças inocentes, assim como sua pequena filha, que extermine as
torturas e matança de meus irmãos negros, que peça para tapar o poço
chamado de "covil das serpentes", e que ele seja lembrado apenas para
mostrar que brancos e negros são seres humanos, e que brancos e negros
igualmente sentem dores, tristezas, medo, assim como igualmente podem
morrer."

    O coronel ao ouvir essas palavras, olhou a sua pequena menina
sorridente, e de imediato mandou tapar o tão temido "covil das
serpentes"

    Vovô Chico viveu nessa fazenda até seu desencarne com mais de 90
anos. E até seu último dia de encarnado, ele fazia suas benzeduras,
banhos, imantações e tudo mais que podia para auxiliar nas dores
físicas e da alma de quem necessitasse. Sendo negros ou brancos, não
importava, pois para ele, e agora para o coronel, todos eram seres
humanos e filhos de Deus.

    Salve nosso amado Vovô Chico!

Adorei as Almas!



Carlos de Ogum

 
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